sábado, 11 de setembro de 2010

O DIA D NA SÉRIE D

O meu grande amigo Gustavo Arruda, de São Luís no Maranhão, me envia um belo relato de como foi o jogo de estréia do Sampaio Correia na segunda fase da série D do brasileirão 2010. Gustavo que como eu também faz faculdade de jornalismo e é louco por futebol, narra com detalhes o grande dia para os torcedores do Aurirubro (devido a camisa ser amarela com detalhes vermelhos).


Fala aí Gustavo....
"Domingo, Cinco de Setembro, exatamente quinze minutos para as quatro da tarde. Dentro de pouco mais de uma hora o Sampaio Corrêa, time do meu estado e da minha cidade (São Luís do Maranhão) estréia na Segunda Fase da Quarta Divisão do Campeonato Brasileiro. Existe a expectativa, o nervosismo, a agitação por parte de toda a grande torcida do Tricolor de São Pantaleão.
Mas eu, apesar de tudo, não sou torcedor do Bolivão. Não vivo toda a expectativa que vive um torcedor fiel do Sampaio. Mas como bom apreciador do nosso esporte bretão, como futuro jornalista esportivo que pretendo ser e que ainda tem muito que aprender, e principalmente como bom ludovicense e maranhense que sou, resolvi ir ao Estádio Municipal Nhozinho Santos me juntar à torcida para incentivar o Tricolor na busca por um bom resultado e uma boa atuação do escrete sampaíno.
Não vivo toda a expectativa, mas até em mim o nervosismo bate. O principal motivo é o adversário: o Centro Sportivo Alagoano, o CSA, da cidade de Maceió, capital de Alagoas. O clube azulino, que junto com o Sampaio tem a melhor campanha da história do Nordeste em competições internacionais (O CSA foi vice, e o Sampaio 3° colocado da finada Copa Conmebol), foi simplesmente a melhor campanha da primeira fase do torneio, com direito a uma vitória sobre o Santa Cruz, fora de casa, com mais de 30 mil torcedores no Arruda. E ainda por cima, é líder do Campeonato do Nordeste, torneio esse que nenhum time do Maranhão foi convidado a participar, mesmo o estado fazendo parte da região que dá nome ao torneio, como qualquer criança de 10 anos sabe.
E a mesma criança de 10 anos, se for boliviana, vai saber também que o seu time é limitado. Apesar de todos os esforços e gastos do presidente Sérgio Frota, o Sampaio se classificou para este confronto na bacia das almas, graças ao tropeço do outro representante do Maranhão, o JV Lideral, que na última rodada não conseguiu vencer um time já eliminado (Flamengo-PI).
Apesar de todos os gastos e de ter uma folha salarial gigante para os padrões do torneio (cerca de 150 mil mensais), o Sampaio não tem nenhum jogador de renome nacional. Dois jogadores se sobressaem como ídolos: o goleiro Rodrigo Ramos e o centroavante Célio Codó, que já despertou o interesse de clubes médios e grandes do Brasil.
Já o CSA aposta no veteraníssimo atacante Catanha todas as suas esperanças. Esse jogador esteve por anos no futebol espanhol, em especial no Celta de Vigo, e teve uma breve passagem no Atlético Mineiro em 2005. Mas o resto do time, confesso, não conheço e nem nunca ouvi falar de nenhum jogador. Até me surpreende eles terem saído de um grupo pedreira (com Santa Cruz, Confiança-SE e Potyguar - RN) em primeiro lugar, com cinco vitórias em seis jogos, uma campanha fantástica, com um time sem estrelas e grandes salários.
16h40. Vinte minutos para começar o jogo. A fila em frente à bilheteria está gigantesca. Passo do lado da fila e sigo adiante, já estava de ingresso na mão por tê-lo comprado no dia anterior ao jogo, prevendo que as bilheterias estariam super cheias na hora do jogo.
Entro no estádio, sou rapidamente revistado, e tenho a primeira impressão do público. Acredito que vai ser um público razoável, chegando próximo aos 10 mil presentes. Não é lá um público gigante como foi os do Brasileiro de 97, que o Tricolor foi campeão invicto, que chegavam sempre na faixa dos 35 mil presentes. O Nhozinho mal comporta 14 mil pessoas, então é um baita público, ainda mais para uma equipe que ainda tem muito que provar.
Compro um copão de cerveja e vou em direção ao setor da arquibancada próximo da maior organizada do Sampaio, a Tubarões da Fiel, que fica próxima das duas saídas de emergência do estádio.
Enquanto espero um amigo meu chegar, que é boliviano doente, ouço os comentários dos torcedores e observo o público. Surpreendo-me com a quantidade de mulheres e idosos no estádio. E muitos, nesse momento, aproveitam pra criticar o ataque, o presidente Sergio Frota e até mesmo o treinador Flávio Campos, recém-chegado ao clube.
Divirto-me horrores ouvindo a cornetagem, e meu amigo chega:
- E aí rapaz, hoje o Sampaio ganha?
- Espero que sim amigão, mas vai ser pedreira, o time deles é forte.
Olho para a parte mais isolada do estado. Vejo cerca de dez torcedores do CSA, com faixas de duas organizadas (Mancha Azulina e CSAmor). Penso comigo: eles não saem da Ilha vivos se o time deles ganhar. Veremos isso dentro de poucas horas.
16h54. As duas equipes entram. O CSA primeiro, sob muitas vaias. E logo em seguida sobe o Sampaio, com direito a chuva de bobinas, claramente inspirado nas torcidas argentinas. Festa bonita. A Tubarões começa uma saudação aos jogadores, começando pelo ídolo Rodrigo Ramos (PQP, é o melhor goleiro do Brasil, Rodrigo!) . Outros oito jogadores são saudados, até chegar à dupla de ataque. Célio Codó é ovacionadíssimo, cantam até uma música lembrando um gol que ele fez na Série C ano passado, torneio esse que o Sampaio acabou sendo rebaixado. Já o outro atacante, Thiago Miracema, quase não tem seu nome gritado pela galera. Explica-se: Miracema é um atacante até certo ponto habilidoso, mas é muito afoito e nervoso. Na série C do ano passado ele perdeu diversos gols (chegou a perder um debaixo da trave e sem goleiro) e foi expulso em um jogo decisivo.
Ele chegou a ser emprestado ao Vila Nova – GO, mas não durou muito tempo lá, pela péssima campanha do clube goiano na Série B. Voltou de Goiânia na semana passada, e estava reestreando no Tricolor nesse jogo contra o CSA.
17h03. Enfim o jogo começa. Três minutos de atraso, mas começa. O Sampaio começa em cima, empurrado pela torcida. O CSA oferece resistência.
-Ôôô... Vamos ganhar Paiô!
-Vai pra cima deles Paiô... Ôôô...!
De repente, gooooooool do Sampaio! Cerca de dez minutos de jogo. Gol do zagueiro Robinho, jogador questionado pela torcida, mas que até que não é tão ruim quanto pregam. A torcida fica eufórica, começa a cantar ainda mais alto. Euforia máxima e total no Nhozinho.
- Aaaaaaaaqui... No Maranhão... Quem manda é o Tubarão!”
- Tem moral, tem moral... A maior da Capital!”
Olho pra baixo. Vejo um repórter do Sportv na arquibancada. Penso comigo: eles vão fazer reportagem sobre o Sampaio no Brasil fora de Série (e depois confirmo o meu pensamento, a reportagem foi feita e ficou show).
Volto às atenções para o jogo. O CSA está apático. Não marca, não corre, não oferece resistência. O Sampaio marca forte a saída de bola do time azulino, que comete diversos erros. Dá pra ganhar esse jogo, penso eu.
Não demora muito, e sai o segundo gol. Célio Codó divide a bola com o zagueiro do CSA, a bola sobra para o lateral Edson. Dois a zero! Que beleza!
Impressiona com o CSA não joga. O time que veio pra São Luís com toda a pompa não consegue fazer nada. A forte marcação tricolor não deixa.
Olho no meu celular, 30 minutos de jogo. O Catanha ainda nem pegou na bola.
Quase fim do primeiro tempo, e o Sampaio anota o terceiro: Sílvio, zagueiro. Três a zero! Tá fácil demais! A vantagem é boa demais pra levar pra Alagoas. O Sampaio joga como se fosse ele o melhor time da Série D, e não o CSA. Temos que levar a vantagem boa para Maceió, pois série D é um perigo. Tem que aproveitar bem o fator casa, porque as casas alheias são sempre cheias e mal-arrumadas. Ganhar fora é pedreira!
Intervalo chega. Boa parte da torcida resolve ir para trás do gol onde o goleiro do CSA vai ficar na segunda etapa. Quase 18h, meu coração rubro-negro pulsa mais forte nesse momento. Aproximo-me de um senhor com o radinho de pilha no ouvido.
- Com licença, o senhor sabe quanto ficou o jogo do Flamengo?
- Zero a zero.
Depois de uma chuva de palavrões proferidos, pergunto:
-E o Fluminense, ganhou?
-Perdeu.
-Perdeu?!
-Perdeu, ficou dois a um pro Guarani.
Fico feliz ao saber que o rival colorido do Mengão saiu derrotado e seriamente ameaçado de perder a liderança, mas fico mais preocupado com a situação do meu time. Xiii, esse ano vai ser daqueles!
Mas ainda tenho a segunda etapa aqui pra salvar minha noite.
Resolvi ficar parado no mesmo setor que fiquei na primeira etapa. Não desci nem pra comer um daqueles lanchinhos totalmente excelentes, também conhecidos como “morte lenta”. Um tradicional churrasquinho sai mais caro do que a meia-entrada da arquibancada para o jogo.
Enquanto penso comigo o quanto deve ser divertido dar R$ 6 em um churrasco que você morde e ouve um miado, as duas equipes voltam ao gramado. Sem alterações. Ouço um torcedor:
-Bora Bolívia, foi pro intervalo com três, agora termina com seis!
Nem preciso dizer o quanto a confiança do torcedor cresceu durante o jogo. Até a minha aumentou. Agora ela está do tamanho do futebol do Sampaio na primeira etapa.
Segunda etapa começa. O jogo continua o mesmo, o Sampaio martelando e o CSA se segurando pra não sair de São Luís espancado. Do jeito que as coisas andam, perder de três a zero é lucro. E é um placar perfeitamente reversível, jogando em Maceió...quem sabe?
E o Catanha saiu. Nem o vi direito, veio ver o jogo da pequena área do Sampaio, junto com o Rodrigo Ramos, que praticamente só bateu tiro de meta no jogo. O paredão tricolor deve ter adorado esse jogo, quase não trabalhou. Logo ele que sempre é muito exigido.
Contra-ataque boliviano. Vai o Célio Codó, invade a área, cruza. Gol! Contra! O zagueiro do CSA foi invejoso e tirou do meia do Sampaio, Diones, a chance de fazer o dele. Quatro a zero. Que show! No campo e na arquibancada, a sintonia é perfeita. O estádio inteiro canta, a torcida fica ensandecida.
-Leleô, Leleô, Leleô... Paiô!
Começaram a cantar o hino. Que massa, que lindo! Muito foda mesmo, fiquei até arrepiado. O baile mudou de lugar, do campo para a arquibancada.
-Olé! Ôôôôlé!
-Mais um! Mais um!
-Uh, chocolate! Uh, chocolate!
O CSA está morto: parece que está implorando para esse pesadelo acabar. Decepcionou totalmente, veio com todo o nariz empinado e sai levando uma goleada histórica. Mas o pesadelo continua: João Neto, atacante reserva, anota de fora da área o quinto gol, com uma ajudinha do arqueiro azulino. João entrou no lugar do questionado Miracema, que como sempre abusou do direito de perder gols. Volta pro Vila Nova, Miracema!
Um torcedor ao meu lado comenta, já próximo ao fim do jogo :
-Melhor time da Quarta Divisão, líder do Nordestão... Vá tomar no cu, aqui é Sampaio porra, não é a desgraça do Morto Club não!
Outro torcedor diz:
- Essa Copa do Nordeste deve ser muito fraca... Esse CSA é líder e nós estamos dando de cinco na cara deles...
Comento com ele que Sport, Ceará, Bahia e Vitória estão disputando, e que são nordestinos grandes que tiveram seus dias de glória, mas ele retruca, com toda a razão?
- O Sampaio não está disputando, não é?
Diante da minha negativa, ele responde sabiamente:
-Azar dessa Copazinha nojenta. E não da gente.
O juizão apita o fim do jogo. Sampaio Corrêa 5 x 0 Centro Sportivo Alagoano. Ouço ligeiramente o presidente Sérgio Frota falando, em um aparelho de rádio grande que um senhor carregava, e que estava no último volume. Ele faz um desabafo emocionante. Imagino como deve ser pedreira segurar as pontas em um clube grande como o Sampaio, em um estado que sofre com o mínimo investimento no esporte.
Saindo do estádio, ainda ouço o assessor de imprensa do CSA comentar:
-O time teve um apagão.
Apagão nada, esse time do CSA é muito ruim. Copa do Nordeste nada, torneio de time grande é Brasileirão.
Até nos arredores do estádio, ouço a torcida comentando. Agora todos saem falando do Santa Cruz, que venceu de virada, por 4 x 3, o Guarany do Ceará, que jogou com o Bolivão na primeira fase. Dois jogos, dois empates. Assusto-me ao saber que o Santinha colocou 55 mil pessoas no Arruda (ironicamente, meu sobrenome). Se confirmarem o favoritismo, Sampaio x Santa Cruz vão fazer o grande jogo dessa série D. Vai sair faísca!
Sim, ninguém mais se importa com o jogo da volta do Sampaio, lá em Maceió. Nem eu.
E o dia feliz da nação tricolor está terminando. O meu termina com um telefonema, no ônibus, voltando para o conforto do lar, ouvindo comentário dos torcedores (até no ônibus!).
E o telefonema é bem familiar. Literalmente.
-Alô? Oi mãinha, daqui a duas semanas a senhora vai pro Nhozinho comigo. Não tem desculpa. (risos)
E assim termina o dia, com uma inesperada goleada tricolor. Cinco a zero. O sonho continua. Espero, pelo bem do futebol maranhense e pela enorme torcida tricolor, que essa história tenha um final feliz."

* Gustavo Arruda tem 18 anos é estudante de jornalismo da UFMA e um rubro negro apaixonado pelo time. E você pode acompanhá-lo pelo twitter.com/crfgustavo

Até mais Galera :)

[Fotos retiradas da internet]